Tsitsipas é acusado de racismo durante série da Netflix e defende-se: «Fui discriminado por ser grego»

Por José Morgado - Junho 24, 2023

Nick Kyrgios e Stefanos Tsitsipas jogaram há um ano aquele que foi o encontro mais marcante da edição de 2023 do torneio de Wimbledon. O australiano ganhou ao grego, mas no final do encontro acusou o seu ex-amigo de lhe fazer bullying em campo, o que levou naturalmente a Netflix a dedicar dois episódios da segunda parte da primeira temporada de ‘Break Point’ a esse duelo. A troca de palavras entre os dois jogadores e as equipas técnicas captadas pela série é forte, mas o que gerou mais polémica foram algumas tiradas do grego, que estão a ser vistas como roçando o racismo por alguns analistas.

“Não consegui aguentar as provocações dele. Tinha demasiada raiva acumulada. Podia ter sido um grande encontro de ténis e tornou-se numa grande palhaçada, num circo. Lamento ter perdido o foco daquela forma. Ele trouxe para o ténis uma espécie de atitude semelhante à do basquetebol, da NBA. Podia descrevê-lo como uma forma pouco educada de jogar ténis. O ténis é um desporto de cavalheiros, onde o respeito é tudo. Não estamos a jogar basquetebol”, disparou o grego de 24 anos.

 

Tsitsipas reagiu nas últimas horas através de um extenso comunicado, onde diz que não é racista até porque ele próprio foi descriminado por nascer e crescer numa Grécia em profunda crise económica enquanto era ajudada pela União Europeia:

COMUNICADO COMPLETO

 

Espero que esta mensagem vos encontre bem. Hoje, quero abordar um assunto que tem pesado muito no meu coração, um mal-entendido infeliz que dá uma imagem distorcida das minhas intenções.

Chegou ao meu conhecimento que algumas pessoas interpretaram mal meus comentários sobre o Nick Kyrgios, rotulando-o de inculto e acusando-o de trazer uma mentalidade de basquetebol para o ténis, insinuando racismo onde não existe.

Deixem-me aproveitar esta oportunidade para oferecer clareza e corrigir quaisquer equívocos que possam ter surgido. Em primeiro lugar, quero enfatizar que não tenho preconceito contra ninguém com base na sua origem, etnia ou interesses. Lamento profundamente se as minhas palavras foram mal interpretadas ou ofenderam, pois essa nunca foi a minha intenção.

É verdade que adoro o basquetebol e sou um fã dedicado há anos. A emoção, habilidade e competitividade desse desporto sempre me impressionaram. No entanto, minha admiração pelo basquetebol não deve ser interpretada como uma rejeição ou depreciação de outros desportos, incluindo o ténis. Cada desporto carrega sua própria beleza única, e tenho imenso respeito pela dedicação e talento demonstrados por atletas em várias modalidades, incluindo o ténis.

As minhas observações anteriores sobre o Nick Kyrgios não tiveram a intenção de minar a sua inteligência ou habilidades. Em vez disso, pretendia simplesmente expressar minha perspetiva sobre certos aspetos do seu estilo de jogo, fazendo comparações com a paixão e a intensidade frequentemente associadas ao basquetebol. Foi uma tentativa de destacar a natureza dinâmica e cativante de sua abordagem ao jogo, não uma crítica de seu caráter ou capacidades.

Quero me abrir convosco sobre uma parte da minha vida que deixou uma marca indelével na minha jornada. Um tempo que me colocou frente a frente com o medo, a adversidade e o crescimento pessoal. Em 2010, como um garoto caucasiano branco a crescer na Grécia, vi-me enredado nas garras da crise económica grega, um período que mudou para sempre minha perspetiva sobre o mundo e a resiliência dentro de mim.

A turbulência económica que atingiu o meu amado país foi acompanhada por um fenómeno insidioso, o da rotulagem nacional. As pessoas começaram a julgar e categorizar os indivíduos com base apenas na sua nacionalidade grega, atribuindo culpa e fazendo generalizações abrangentes sobre toda uma população. Aos olhos do mundo, fomos reduzidos a meros estereótipos, carregando o fardo das lutas de uma nação, independentemente de nossas circunstâncias ou contribuições individuais.

O que realmente me assustou, porém, foi o racismo que emergiu dessa rotulação de nação. Como um jovem a tentar entender o mundo e o meu lugar nele, experimentei em primeira mão a dor do preconceito e da discriminação. De repente, tornei-me alvo de palavras ofensivas, exclusão e julgamento simplesmente por causa de minha herança grega. Os relacionamentos que eu acalentava mudaram da noite para o dia, deixando-me isolado e desanimado.

Ao enfrentar as duras realidades do racismo, jurei superá-lo, para provar que meu valor e identidade não eram definidos pelas circunstâncias económicas do meu país. Fiz uma escolha consciente de apagar a amargura persistente daqueles anos e abraçar as lições que eles me ensinaram. Eles deram-me a conhecer a empatia e como é importante ver além dos rótulos e entender as realidades complexas que moldam os indivíduos.

Lamento profundamente qualquer mágoa ou ofensa que minhas palavras possam ter causado. É essencial lembrar que todos temos pontos de vista e interpretações diferentes, e é por meio do diálogo aberto e da compreensão que podemos preencher lacunas e promover conexões genuínas.

No futuro, comprometo-me a estar mais atento às minhas palavras e ao impacto que elas podem ter. Acredito firmemente na promoção da inclusão e na celebração da diversidade. Espero que possamos envolver-nos em conversas respeitosas que permitam opiniões divergentes, mantendo a empatia e o respeito uns pelos outros.

Obrigado por me darem a oportunidade de esclarecer minha posição e intenções. A vossa compreensão e apoio significam muito para mim. Vamos continuar a valorizar o nosso amor pelo desporto, celebrando a beleza e a paixão que trazem para nossas vidas”.

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Apaixonei-me pelo ténis na épica final de Roland Garros 2001 entre Jennifer Capriati e a Kim Clijsters e nunca mais larguei uma modalidade que sempre me pareceu muito especial. O amor pelo jornalismo e pelo ténis foram crescendo lado a lado. Entrei para o Bola Amarela em 2008, ainda antes de ir para a faculdade, e o site nunca mais saiu da minha vida. Trabalhei no Record e desde 2018 pode também ouvir-me a comentar tudo sobre a bolinha amarela na Sport TV. Já tive a honra de fazer a cobertura 'in loco' de três dos quatro Grand Slams (só me falta a Austrália!), do ATP Masters 1000 de Madrid, das Davis Cup Finals, muitas eliminatórias portuguesas na competição e, claro, de 13 (!) edições do Estoril Open. Estou a ficar velho... Email: josemorgado@bolamarela.pt