João Sousa despede-se feliz e em paz: «Sinto-me realizado»

Por Pedro Gonçalo Pinto - Abril 3, 2024
Créditos: Millennium Estoril Open

De consciência tranquila, em absoluta paz e com um sorriso na cara. Assim surgiu João Sousa na sala para dar a última conferência de imprensa enquanto tenista profissional. O melhor português de todos os tempos garantiu que se sente realizado por tudo o que alcançou e despede-se do ténis, por agora, com um sentimento de dever cumprido.

COMO É O PONTO FINAL

É especial. Hoje é um dia especial. Pelo momento, obviamente. Era um bocadinho expectável a derrota, acho que apesar de não estar nas melhores condições físicas dei tudo nos últimos tempos para estar a cem por cento e acho que não fiz um mau encontro. Mérito do Arthur que fez um excelente encontro. São muitas as memórias que me vêm à cabeça. Estava a entrar aqui e mudou tudo! Foram muitos momentos passados aqui. Ser a última enquanto jogador de ténis é sempre especial. Não é momento de tristeza, é de alegria, porque acho que independentemente de tudo dei sempre o meu melhor. Estou de consciência tranquila. Dei o meu melhor sempre para alcançar os meus objetivos e ser melhor jogador. Gostava de ter dado vitórias aos portugueses mas não foi possível, tenho de aceitar isso com naturalidade. Estou muito feliz pela carreira que tive ao longo destes anos.

CONTINUAR NO TÉNIS

Muito sinceramente não pensei sobre isso. Foram muitos anos de desgaste, não só físico mas também mental. O ténis é uma forma de viver, naõ é um desporto. Foram muitos anos dedicados à alta competição, ao ténis, a querer ser melhor, portanto segue-se um período de reflexaão bastante profunda, tentar descansar da alta roda da competição. Mas acredito que outros capítulos virão certamaente relacionados com ténis. Faria sentido na minha condição, de ter sido um atleta que conseguiu jogar ao mais alto nível.

MOMENTOS DUROS E DE SUPERAÇÃO

Todas as derrotas são momentos duros, algumas derrotas doem mais do que outros, simplesmente porque a expectativa é diferente. Quando treinamos bem e aos resultados não acompanham essa expectativa, É frustrante. O ténis é muito frustrante, é difícil de aceitar muitas vezes. É um desporto de aceitação em tudo. Dos erros que fazemos, das bolas boas que temos, dos adversários. O ténis é um desporto muito exigente. Todas as derrotas são duras. Lembro-me de um momento duro que fiz umas nove ou dez primeiras rondas seguidas, numa série de derrotas gigantes, e são momentos em que duvidamos de muita coicsa. Se vou conseguir manter-me, se vou conseguir voltar a ganhar. Tudo faz parte da nossa aprendizagem. E eu consegui dar a volta a esses momentos. Sem a ajuda do Fred e de quem esteve ao meu lado não seria possível. Foi uma aprendizagem constante como pessoa, não só como jogador.

NOVA GERAÇÃO PORTUGUESA

Olho com muito positivismo. Temos jogadores muito bons. Gostaria de acreditar que dei alguns grãos de areia para que o ténis continue a melhorar em Portugal. Acho que temos muito potencial, temos jovens jogadores com muito potencial, o Nuno que está top 100. Acho que o futuro do ténis nacional é risonho e há muito trabalho pela frente, sem dúvida. As coisas estão a ser bem feitas mas é preciso tempo também. Vamos ter mais jogadores a ser profissionais e a estar no topo do ténis mundial.

COMO SE SENTE

Diria que me sinto realizado. Sinto-me realizado. O ténis é um desporto muito exigente, competição todas as semanas, o nervosismo miudinho antes da competição. É difícil de gerir. Saber que não o vou ter não sei se vou sentir falta, mas também me sinto aliviado. Mas realizado é a palavra adequada. Por incrível que pareça, estava zero nervoso. Estava consciente de que ia dar o meu melhor, não tinha nada a perder. Ele fez um grande jogo, mérito dele porque venceu, mas acho que não joguei assim tão mal. Sinto-me realizado pelo encontro e pela minha carreira.

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QUANDO CAIU A FICHA

Foi no match point! Se calhar antes de começar o jogo. Lembro-me de olhar um bocadinho para a box e eles estarem a olhar para mim emocionados. Ele já vinha a servir muito bem, sabia que ia ser difícil. Percebi que o fim estava próximo.

COMO É O DIA AMANHÃ

O Frederico queria que eu treinasse às 10 da manhã, não vai acontecer. (risos) O dia de amanhã vai ser bem passado, com amigos que vieram para a minha despedida, que fizeram parte da minha carreira. Vou passar o dia com eles. Sou jogador de ténis, mas também sou humano. E esse carinho tem de ser retribuído. Houve momentos da minha vida em que não estive em momentos especiais deles, mas faz parte desfrutar agora um bocadinho daquilo que não consegui fazer. Não me sinto prejudicado por não o ter feito, mas sei que houve momentos que efetivamente não pude desfrutar. Havia pessoas que falavam de golfe, outros de kart, vamos ver o que se enquadra melhor.

CONSELHO QUE DARIA NO INÍCIO

É trabalhar duro e acreditar nas pessoas que estão ao nosso redor. Isso e ser competitivo. Mas o que tiver mais capacidade de trabalho e de conseguir passar por esses altos e baixos que a carreira nos dá é quem se vai manter mais em cima. Foi assim a minha filosofia de vida e trabalho, tenho tido êxito e acredito que é por aí que o sucesso vem. Seria esse o meu conselho.

SER SELECIONADOR NACIONAL?

Primeiro de tudo, já temos um capitão que tem feito um excelente trabalho. Futuramente, sim, seria algo que ponderaria fazer, porque não? A Taça Davis sempre me disse muito, sempre que fui convocado não falhei uma única eliminatória, é algo que realmente sinto que não existe maior honra do que representar o nosso país. Vivi muito intensamente a Taça Davis. Especialmente no formato antigo, havia eliminatórias que acabava completamente destruído mas sentia-me feliz e era isso que contava. Se no futuro essa opção surgir e for convidado, acredito que seria uma boa opção.

QUE MENSAGENS TEM RECEBIDO

Vi que tinha 70 e tal mensagens por ler, se calhar o Rafa Nadal está aí. Durante esta semana, os meus colegas têm-me dado um carinho gigante, falei imenso tempo com o Dominic, o Gael veio ter comigo. É bom receber esse carinho dos meus colegas, perceber que de certa maneira veem o trabalho que tive todos estes anos. É bonito sentir o respeito dos jogadores durante tantos anos. Não é fácil ter isso, mas acho que consegui e foi demonstrado durante toda esta semana. O Pedro Martínez veio ter comigo estava eu a tomar banho! Dei tudo o que tinha e os atletas sabem disso. As pessoas com quem passei mais tempo reconhecem esse trabalho e é muito bonito.

O ténis entrou na minha vida no momento em que comecei a jogar aos 7 anos. E a ligação com o jornalismo chegou no momento em que, ainda no primeiro ano de faculdade, me juntei ao Bola Amarela. O caminho seguiu com quase nove anos no Jornal Record, com o qual continuo a colaborar mesmo depois de sair no início de 2022, num percurso que teve um Mundial de futebol e vários Europeus. Um ano antes, deu-se o regresso ao Bola Amarela, sendo que sou comentador - de ténis, claro está - na Sport TV desde 2016. Jornalismo e ténis. Sempre juntos. Email: pedropinto@bolamarela.pt