Isto é apenas ténis, mas não nos peçam para não ficar tristes

Por José Morgado - Abril 2, 2020
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“Isso são apenas torneios de ténis. É o que menos interessa nesta altura. Há vidas em jogo e esse deve ser o foco”. Estas são as frases que mais tenho ouvido nas últimas semanas. Há semanas que não faço a aquilo que mais gosto: escrever e falar sobre ténis que esteja de facto a acontecer no momento. Torneios, encontros, direitas, esquerdas, serviços, respostas, passing shots, Big Three, NextGen, recordes, finais e títulos. É claro que o Bola Amarela continua a ser atualizado ao minuto, mas quase todas as notícias que vamos escrevendo são daquelas que não gostamos tanto de dar: cancelamentos, suspensões e consequentes reações a esta situação absolutamente dramática e extraordinária pela qual esperamos nunca mais voltar a passar.

Mas sim: isto são apenas torneios de ténis. É apenas desporto. É apenas um detalhe numa batalha bem maior. É justo e razoável que nos seja pedido para relativizar a importância que a suspensão de quase toda uma época de ténis tem no contexto global da vida de cada um, mas não nos podem é pedir que não fiquemos tristes pelo acumular de más notícias. Porque o regresso do ténis, aconteça quando acontecer, será também um sinal de que o Mundo está a voltar ao normal.

O sentimento dos jogadores também é um pouco esse. Ninguém vai obviamente colocar em causa o cancelamento de torneios, pois este é feito, em primeiro lugar, a favor da segurança dos próprios profissionais, mas é inegável o impacto financeiro que toda esta situação vai ter em grande parte deles. Quantos jogadores têm capacidade para aguentar cinco meses (pelo menos) sem ordenado? Quantos deles terão a capacidade de se reerguer depois disto? Quem pode sair em seu auxílio? Quantos irão desistir e dedicar-se a outras profissões, aos estudos? É que no ténis não há clubes. Não há ligas. Não há nada assegurado. Não jogam, não ganham. O desemprego é coletivo.

Está na hora de as respostas começarem a aparecer de forma um pouco mais concreta. As Federações mais ricas podem interceder a favor dos seus jogadores, mas a grande maioria delas não tem dinheiro sequer para pagar os prémios de presença da Taça Davis a tempo e horas. O ATP Tour tem um fundo de apoio aos jogadores, mas o seu presidente ainda não lhe quis mexer. O WTA, que com pompa e circunstância entregou o maior prize-money da história à campeã das Finals em outubro do ano passado, ainda nem se manifestou sobre a petição iniciada para uma tenista do top 400 (Sofia Shapatava) suplicando por ajuda.

Wimbledon foi cancelado. Wimbledon. O pai de todos os torneios. O mais antigo. O mais prestigiado. O mais rico. Não acontecia desde a Segunda Guerra. Sim, é apenas um torneio de ténis, mas não nos peçam a nós, que respiramos a modalidade no dia a dia, que não fiquemos tristes.

E se Wimbledon vai certamente voltar com a mesma dimensão e força em 2021, não creio que se possa dizer o mesmo em relação à maioria dos torneios. Ainda assim, nem tudo são más notícias. Os torneios ATP 250, por exemplo, que são os eventos mais pequenos e por isso mais permeáveis a uma crise com esta dimensão, poderão ‘aguentar-se’ se tiverem por detrás uma boa base à qual se possam agarrar. Segundo avança o ‘New York Times’, um torneio da dimensão do Millennium Estoril Open, que tenha um orçamento a ronda os 4 milhões de euros, faz em média 125 mil euros de lucro líquido. Em 2018, por exemplo, apenas 13 torneios desta categoria perderam dinheiro. Em 2020, nenhum vai ganhar um cêntimo que seja, mas muitos poderão minimizar perdas: não há prize-money, não se pagam cachês de presença, nem serviços de catering e segurança, nem construção de infraestruturas móveis. No caso do torneio português, por exemplo, os gastos ainda foram alguns, pois a montagem da estrutura no Clube de Ténis do Estoril já estava em andamento.

Em relação a estes torneios ATP (e WTA também) ainda há uma última e interessante questão. Habitualmente, se um torneio é cancelado, deixa de ter de pagar a licença (bem cara por sinal) ao circuito, perdendo muitas vezes esse espaço de calendário para outras cidades. Desta feita, essa situação ainda não está totalmente definida e poderá fazer muita diferença no orçamento das organizações e até na possibilidade de sobrevivência dos diferentes torneios.

É impossível prever quando é que o ténis vai voltar, mas o nosso primeiro desejo é que várias das questões aqui colocadas sejam respondidas. Sim, isto é apenas ténis. E sim, nesta altura o ténis é para nós a coisa mais importante das menos importantes. Mas não, não vamos fingir que não nos custa escrever o tipo de notícias que temos estado a escrever ao longo das últimas semanas. O cancelamento de Indian Wells foi há menos de um mês. Parece que passaram meses…

Apaixonei-me pelo ténis na épica final de Roland Garros 2001 entre Jennifer Capriati e a Kim Clijsters e nunca mais larguei uma modalidade que sempre me pareceu muito especial. O amor pelo jornalismo e pelo ténis foram crescendo lado a lado. Entrei para o Bola Amarela em 2008, ainda antes de ir para a faculdade, e o site nunca mais saiu da minha vida. Trabalhei no Record e desde 2018 pode também ouvir-me a comentar tudo sobre a bolinha amarela na Sport TV. Já tive a honra de fazer a cobertura 'in loco' de três dos quatro Grand Slams (só me falta a Austrália!), do ATP Masters 1000 de Madrid, das Davis Cup Finals, muitas eliminatórias portuguesas na competição e, claro, de 13 (!) edições do Estoril Open. Estou a ficar velho... Email: josemorgado@bolamarela.pt