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Frederico Marques: O lado de não-treinador do treinador de João Sousa
Aos 18, o plano era simples: evoluir como jogador num país com uma estrutura tenística mais ativa e coesa do que aquela que Portugal tinha para oferecer, mas uma mononucleose acabaria por trocar-lhe as voltas. Resultado: do court para a equipa técnica de João Sousa foi um ‘tirinho’. Passados dez anos desde o dia em que desfez a mala em Barcelona, Frederico Marques surge como treinador, braço direito, companheiro de aventuras e um nome indissociável daquele que já é tido como o melhor jogador português de sempre. O Fora de Linhas esteve à conversa com o lisboeta de 28 anos e quis saber de tudo menos de… courts, raquetes e tecnicismos tenísticos. Acha impossível? Desafiamo-lo, então, a contar as vezes que a palavra ‘ténis’ vai surgir a partir de… agora!
“E o arroz de polvo, lembras-te?”
A chegada de Frederico Marques a Barcelona e à BTT Tennis Academy coincidiu precisamente com a ida de João Sousa para país do lado e, mesmo sem se conhecerem, decidiram juntar a trouxa debaixo do mesmo teto. Tendo um 18 anos e o outro 15, a forma como se apoiaram mutuamente revelou-se fulcral na forma como encararam tamanha mudança. Mas se as saudades da família e dos amigos se tornaram, por isso, menos penosas, o mesmo não se pode dizer das primeiras investidas na cozinha. Se há peripécias domésticas para relatar? Ora, nem de propósito.
“Como o João treinava de manhã e à tarde, e estudava à noite, eu fazia o jantar durante a semana e ele ao fim-de-semana. Um dia combinámos que eu ia tentar fazer polvo para o jantar, mas entre o polvo cozer e não cozer, fomos jantar às onze e meia da noite. E, claro, sendo uma refeição consistente, comida quente (no dia a seguir tínhamos a responsabilidade de acordar às 7h da manhã), passámos a noite toda com dores de barriga e a vomitar por todos os lados. Não estava bom e foi como um tijolo que caiu no estômago àquelas horas. Ainda hoje nos rimos com isso quando perguntamos ‘e o arroz de polvo, lembras-te?’”
“O João detesta perder comigo e eu detesto perder com ele”
Que João Sousa não facilita quando o assunto é competição, já nós, pessoas atentas e entendidas, sabíamos, mas o que talvez nos andasse a escapar é que o vimaranense consegue tornar uma inofensiva atividade lúdica na mais aguerrida batalha. Seja a feijões, ao berlinde ou ao jogo do galo, perder não está nos planos. Azar (sorte?) o dele que a pessoa que mais o ajuda a vencer dentro do court, e com quem mais partilha os triunfos tenísticos, se torne no seu maior adversário fora de linhas, fazendo de tudo para o derrotar. Nem que para isso tenha de perder horas de sono.
“O João detesta perder comigo e eu detesto perder com ele. Mesmo no telemóvel. Houve um jogo que ele começou a jogar antes de mim e eu acordava às 4 horas da manhã e ia para a casa de banho jogar para conseguir mais pontos. Ele acordava de manhã e dizia ‘mas como é que é possível?!’, e eu caladinho. Ele não percebia como é que aquilo acontecia porque jogava mais horas. Mas ele é muito melhor do que eu em muitos jogos. Agora que eu estou no triatlo e como é uma coisa que ele sabe que eu faço bem, ‘pica-me’. Há uns dias, saímos 3 horinhas de bicicleta e sempre que me via a subir, acelerava para tentar deixar-me para trás. Realmente nisso ele é muito bom, é muito competitivo, e por isso é que está onde está”.
“Quis mostrar ao João que também tenho sangue de desportista”
Apenas possível devido a uma forte relação de amizade, cumplicidade e companheirismo, as picardias entre os elementos que compõem a dupla mais bem-sucedida do ténis nacional não conhecem fronteiras. E, com o mais fisicamente inativo dos dois a chegar aos 90 quilos, o atleta de serviço não se poupou nas apreciações mordazes. O resultado, esse, não podia ser outro: Frederico Marques respondeu ao seu pupilo colocando uma medalha ao peito e regressando à forma física de antigamente.
“O triatlo começou com uma brincadeira com o João, devido ao meu peso excessivo e à minha má imagem como desportista. Propus-me a este objetivo durante um ano [2013], para no final participar na Ironman, em Zurique. Não fiz um bom tempo, porque não fui para tentar fazer um bom tempo. Só queria chegar com a medalha e mostrar ao João que conseguia acabar esta prova tão difícil e que também tenho um bocadinho de sangue de desportist. Fiz uma prova tranquila, com um ritmo constante, tive uma lesão, mas consegui acabar e trazer a medalha”.
“Há dias em que treino 42 km”
A brincadeira que tinha como finalidade principal deixar o seu jogador impressionado, tornou-se, aos poucos, num caso sério. Sem o saber ou pretender, o treinador do número um português encontrou a via de escape de que precisava para se distanciar de um trabalho que consumia praticamente todas as horas do seu dia, e, ainda que a sua mente esteja no ténis quando o seu corpo está no triatlo, Frederico Marques não esconde a cabeça na almofada quando o despertador o faz saltar da cama às 4 horas da madrugada para se dedicar ao seu treino antes de se concentrar por inteiro ao do jogador de Guimarães.
“Passo muitas horas do dia a treinar e isso também me ajuda. É algo que faço para me sentir bem fisicamente e para ter um objetivo próprio. Há dias em que treino 37, 42 km, no total. Para 2015, tenho um outro objetivo, esse já um bocadinho mais consistente e mais complicado, quase a tocar o profissional: participar num Ultraman. São três dias de prova, com 84 km de corrida no último dia. Vou com fisioterapeuta a essa prova. Mas claro que isso fica sempre para segundo plano, há dias que não treino, porque tenho de ver vídeos do João e analisar vídeos com ele ou descansar para poder estar mais lúcido no dia seguinte. Mesmo quando vou nadar duas horas, estou as duas horas a pensar na direita ou na esquerda do João.
Ligado a Portugal: da Casa dos Segredos aos casos de política e corrupção
Os regressos podem contar-se pelos dedos de uma mão ao fim de cada ano, e Frederico pode até recear que as conversas sejam pinceladas com uma ou outra palavra em catalão, mas não há que enganar, o lisboeta de gema continua a trazer consigo o país que viu nascer a sua paixão pelas raquetes. As provas são evidentes. Vejamos: nem um “ai” em catalão escapou enquanto esteve à conversa connosco, gostava que os espanhóis fossem tão simpáticos quanto nós, é assinante da revista Visão e, enquanto falou sobre o fascinante ato de comer, nem por um momento a paella ou as tapas vieram à baila. Sim, sim, espanhóis, ele continua a ser bem nosso.
“Quando regresso a Portugal, a minha prioridade são os amigos e a família, mas tenho de estar com eles a comer. É tudo fantástico, os bolos o pão, tudo. Acho que se vivesse em Portugal tinha mais 20 ou 30 quilos. Por isso é que quando venho a Portugal, entro no avião e já estou a salivar. Mesmo longe, tento sempre ler o máximo e saber o máximo do que está acontecer em Portugal. Com a Internet e com as redes sociais é fácil estarmos ligados a Portugal, e ainda ligamos diariamente para falar com as nossas famílias e amigos. Tenho ainda um canal que é a TVI Internacional, que consigo ver desde a Casa dos Segredos até aos casos de política e corrupção. E sempre que posso venho a Portugal”.
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