Marques & Júdice: Quando a amizade corta metas
O esforço que é necessariamente exigido numa prova das dimensões de um Ironman ou de um Ultraman tem de ser, inevitavelmente, muito bem gerido… do início ao fim. São muitos os quilómetros percorridos pelos atletas e a disponibilidade física acaba, muitas vezes, por se dissipar quando surge o desgaste psicológico. É certo que esta “corrosão mental” é quase desumana, mas nada melhor do que um pilar de apoio incondicional para amenizar o sofrimento.
Aos 29 anos, Frederico Marques, treinador do número um português João Sousa, tem participado em eventos deste calibre – Ironman Zurique, Ironman Copenhaga e, no último fim de semana, um exigentíssimo Ultraman realizado na cidade de Penticton, no Canadá. Mas o técnico luso nunca foi sozinho. O seu amigo André Júdice, de 27 anos, fez questão de o acompanhar em todas as provas, sempre com pensamento positivo e o olhar a incidir permanentemente na bonita bandeira portuguesa.
“Apoio o Frederico efusivamente, com palavras de motivação, sempre com a bandeira nacional bem presente. A parte mental nestas provas é muito importante, por isso qualquer motivação é fundamental no decorrer das longas horas da prova”, começou por dizer ao Bola Amarela o jovem português, que também não teve receio de se aventurar, correndo, no Ultraman, os últimos 60 quilómetros ao lado de Frederico Marques.
“Agora no Ultraman, no Canadá, foi mais fácil apoiá-lo, pois estávamos sempre com ele, a alimentá-lo, a hidratá-lo. No último dia pude correr ao lado dele, sempre a dar uma palavra de força, porque só faltava o último esforço para o sonho daquela medalha. Acho que foi importante para ele e para mim também. Um grande orgulho. Sei o que ele lutou para atingir os seus objetivos, porque ele é sempre assim”, sublinhou André, que costuma igualmente acompanhar o treinador nas corridas diárias.
“Este ano já vou fazer a maratona (42 quilómetros) em outubro. O Frederico é uma pessoa contagiosa nas suas ideias e claro que me contagiou com a “loucura” de o acompanhar. Acompanhá-lo pela primeira vez no Ironman da Suíça mudou a minha vida. É inacreditável ver tanta gente em boa forma e a tentarem superar-se de uma forma brutal, fiquei pensativo com tudo o que vi, por isso também comecei a correr”, revelou Júdice.
Mas nem tudo é um conto de fadas, apesar de todo o esforço necessário, que antecede a alegria de ver um verdadeiro amigo cortar a meta, seja totalmente recompensado. “Não e fácil, na Dinamarca estive quase 12 horas sozinho, num país que não conhecia. Mas existia sempre alento cada vez que o via, sabia que para ele era importante o apoio, então apanhei algumas horas de frio e chuva para o apoiar e motivar sempre que passava por mim”, confessou.
«Acabámos por dormir na mesma cama»
Quando se parte para uma aventura com um amigo, há sempre histórias que ambos vivem em conjunto e que têm de ser partilhadas. Os momentos hilariantes acabam por tirar, um pouco, o peso que a prova coloca sobre os ombros e, neste caso, poderíamos escrever “um livro com muitas páginas” se quiséssemos descrever todos as situações caricatas que aconteceram.
“Houve tantas situações engraçadas… Posso contar uma em particular. Na noite anterior ao Ironman, na Suíça, o Frederico estava muito nervoso e ansioso, como é normal, devido à exigência da prova que tinha para fazer. Eram duas horas da madrugada e ele apareceu no meu quarto a dizer que não conseguia dormir… por causa da chuva. Fartei-me de rir e acabámos por dormir o resto da noite na mesma cama…”, admitiu André Júdice, que traz consigo para Portugal excelentes recordações da competição.
“O ambiente é simplesmente fantástico e muito familiar. As distâncias são muito longas e durante três dias ficamos familiarizados com todos os outros atletas. Existe um ambiente de cooperação entre todos, não existe rivalidade, pois a própria competição é de superação pessoal e não contra outros atletas”, reforçou.
«Ver o meu melhor amigo a fazê-lo só pode ser um motivo de orgulho e de muita satisfação para mim»
10 km a nadar, 425,6 km a pedalar e 84,4 km a correr. Em 32 horas, 40 minutos e 50 segundos, concluindo a prova no 16.º lugar da tabela geral. Agora é tempo de recuperar. Frederico Marques, que, segundo o jornal A BOLA, partiu um dente e deslocou uma costela, vai voltar para Barcelona e regressar posteriormente ao Canadá, onde o seu pupilo João Sousa disputa o torneio ATP Masters 1000 de Montreal, a partir da próxima segunda feira.