Kyrgios: «Pela primeira vez, sinto que há uma razão para fazer o que faço»

Por Susana Costa - Outubro 12, 2017

Mas, um dia, o maior reguila do circuito mundial, que tinha a fama (e o proveito) de refilar com os árbitros e acumular multas por mau comportamento, percebeu que desperdiçar o seu talento era um dos maiores pecados do ténis atual. E atinou. Com o juízo vieram os triunfos, com os triunfos os títulos do Grand Slam, e com eles o inevitável número um mundial.

Para a história que Nick Kyrgios escreveu no ténis até então há inúmeros desfechos possíveis, mas o final feliz, por mais que cada um o tente criar à sua medida, só depende e pode ser escrito pela mão do próprio australiano. Por estes dias, Kyrgios pegou na caneta para revelar ao mundo, através do ‘Players Voice, que do confronto entre uma cabeça desassossegada e um coração são podem sair bons resultados.

“Qual é o objetivo de tudo isto? É a pergunta que tenho feito nos últimos dois anos”. 

“As viagens, o tempo que passo longe dos que me são mais queridos, os ‘trolls’ nas redes sociais, as guerras com a imprensa, as rondas iniciais nos courts secundários quando tudo o que quero é voltar para Camberra para jogar FIFA com os meus amigos”.

A resposta tardou, mas chegou. “Encontrei o meu propósito nos últimos meses”, anuncia Kyrgios na plataforma digital onde atletas australianos dizem o que lhes corre na alma. “Pela primeira vez, sinto que há uma razão para fazer o que faço. A vida no ténis é ótima – somos bem pagos e as vantagens são muitas – mas pode fazer-nos sentir vazios se jogarmos apenas pelo dinheiro”.

“Há alguns anos tive uma visão: construir instalações para crianças desfavorecidas e sem recursos, onde estivessem em segurança e se sentissem como sendo parte de uma família. Havia courts de ténis e campos de basquetebol, ginásio e um campo oval para darem uns chutos na bola. Tinham comida e camas para dormir”.


“Quando estou a trabalhar na NK Foundation, a minha cabeça está com as crianças desfavorecidas”


Do sonho à realidade, o esticão é grande, mas a fantasia tem ajudado Kyrgios a manter os pés assentes no chão quando está no court. Quando não estou a jogar, a treinar ou viajar estou a trabalhar nisso”. A mãe e o irmão Christos são os seus cúmplices.

“Estamos à procura de terreno em Melbourne e a contactar organizações e empresas que se queiram associar. Este sonho vai tornar-se realidade. Quando estou a trabalhar na NK Foundation (Fundação Nick Kyrgios), a minha cabeça está com as crianças desfavorecidas. É por elas que eu jogo agora”.

Será esta a motivação de que precisava para se tornar no jogador que o seu talento denuncia e evitar desatinos como os desta semana em Xangai, que lhe custaram mais de 31 mil dólares? “Tudo o que posso dizer é que me sinto diferente cá dentro, e sei como posso canalizar a minha carreira – o dinheiro, a publicidade, a notoriedade – para algo com significado”.

 

Descobriu o que era isto das raquetes apenas na adolescência, mas a química foi tal que a paixão se mantém assolapada até hoje. Pelo meio ficou uma licenciatura em Jornalismo e um Secundário dignamente enriquecido com caderno cujas capas ostentavam recortes de jornais do Lleyton Hewitt. Entretanto, ganhou (algum) juízo, um inexplicável fascínio por esquerdas paralelas a duas mãos e um lugar no Bola Amarela. A escrever por aqui desde dezembro de 2013.