Gilles Simon e o talento no ténis
Se há tenistas que dão a ideia de que apenas jogam ténis e só se preocupam com as suas carreiras, há outros que mostram que gostam de estar por dentro dos assuntos e do que se passa no circuito. É o caso de Gilles Simon, antigo top10 mundial e atual décimo-nono da hierarquia, que expôs recentemente a sua visão sobre o talento no mundo do ténis em conversa com o jornal francês L’Équipe.
Antes de mais, o que é o talento no ténis?
“Ninguém sabe o que é o talento no ténis. Até ter vinte um anos, falavam-me muito em talento. Depois, quando elevei o meu nível de jogo, essa opinião esfumou-se. No ano em que me qualifiquei para o Open da Austrália [2006], quando ganhei ao Berdych, disseram que eu era um génio [o próprio L’Équipe o escreveu], quando, na realidade, eu só pensava que estava apenas no 130º posto… Em França, associa-se a palavra ‘talento’ a três coisas: ter ‘boa mão’ (e eu como não tenho, não tenho talento), técnica (fluidez de jogo) e ser-se ofensivo.”
E o que é que o comum adepto de ténis associa ao ter-se talento, Gilles?
“No fundo, confunde-se comummente ‘brilho’ com ténis. Oiço frequentemente dizer-se que o Feliciano López tem talento e ‘mijo-me todo’. Ah, López, esse jogador ofensivo… Mas não, ele é defensivo. Em geral, toma-se um jogador de serviço-volley como hábil. Mas eu acho que, muitas vezes, é o contrário que se verifica: serve forte e sobe à rede porque, para ele, é a maneira mais simples de ganhar o ponto.
Eu não tenho ‘boa mão’, mas tenho muito talento. Simplesmente, existem muitos tipos de talento, mas uns destacam-se mais que outros. O que é talento? Falamos de talento se o Richard Gasquet bater uma esquerda muito forte – e temos razão em fazê-lo -, mas se for o Nadal a fazer o mesmo com a sua direita, já se diz que é apenas força física. Estamos todos de acordo quanto se fala do talento do Federer, mas custa-nos dizê-lo quando falamos do Novak. Quando serves a 275km/h e te devolvem sempre a bola, isso é um talento incrível. Se perguntares ao Jan De Witt qual dos dois tem mais talento [Federer ou Djokovic], ele pensará duas vezes antes de te responder.”
E qual o papel da televisão nisto tudo?
“A televisão é, em parte, responsável, porque manipula a percepção. Na realidade, não vemos o que tem de especial o Kei Nishikori. Tem a melhor esquerda a duas mãos que já vi, bate a bola de ângulos incríveis, mas isso não é ‘espetacular’. Frequentemente, tomo como exemplo o Mika [Llodra]; tem um volley e um toque de bola alucinantes, mas não é capaz de fazer um drive-volley corretamente. Durante toda a carreira do Safin, falou-se em como era um jogador talentoso, mas a nível da mão, era como eu… O Ernests Gulbis, igual. É talentoso, ponto final. Se perde um encontro, é porque não lhe apeteceu jogar.”
Para terminar, o tenista que já figurou no sexto posto da hierarquia falou sobre a situação no seu país:
“No início, pensava que em França era melhor ser-se menos bom mas ter-se talento, pois ir-se-ia sempre valorizar mais um Gulbis nº50 mundial em vez de um Ferrer nº3. Agora, é-me totalmente igual que as pessoas me vejam como talentoso ou não. O meu talento é pesar 70kg e fazer cinquenta winners contra o Rafa [no Masters 1000 de Roma de 2014]. Espero que não me levem a mal, mas surpreende-me sempre quando vejo que dizem que tenho menos talento que o Jo [Tsonga]. O Jo bate sempre muito forte. De nós quatro [o próprio Simon, Gasquet, Tsonga e Monfils], o que tem mais talento é o Gäel.“