Sharapova diz adeus e o ténis perde uma das personalidades mais importantes da sua história

Por José Morgado - Fevereiro 27, 2020
Sharapova

Podia dizer-se que a vida de Maria Sharapova dava um livro, mas a verdade… é que já deu. Em ‘Unstoppable: My Life So Far’, uma autobiografia que a russa escreveu enquanto estava suspensa por doping, em 2017, Sharapova partilhou muitas histórias inéditas sobre a sua carreira, a sua infância e todo o processo de regresso à competição depois de ser afastada durante 15 meses por causa do maior erro da sua vida.

Até à aquele momento — ‘her life so far’ — Sharapova sentia-se imparável. Foi quase sempre assim. Só alguém que se sinta imparável pode entrar da forma como ela entrou na final de Wimbledon 2004 e derrotar Serena Williams da forma que a russa fez. Tinha 17 anos, pouca massa muscular e muita inocência no olhar, mas sabia exatamente aquilo que queria ser na vida. Queria ser a melhor.

As conferências de imprensa de Maria Sharapova quando a sua carreira começou eram quase arrepiantes. Duas em cada três perguntas eram ou sobre o facto de ser loira, ou por causa de ser bonita. E as que sobravam eram quase sempre sobre os seus gritos. O ténis vivia na altura o ‘trauma’ de Anna Kournikova: uma russa loira, talentosa e muito vistosa, que nunca conseguiu cumprir todo o seu potencial e virou modelo ao fim de meia dúzia de anos.

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A ascensão de Sharapova ao topo foi um momento importantíssimo para o ténis feminino precisamente por causa disso. A russa provou naquele momento que era possível ser loira, bonita, de quase 1,90m, perder horas e dias em campanhas publicitárias que lhe valeram milhões e conseguir, simultaneamente, ser uma das melhores competidoras da história do ténis. Independentemente de algumas debilidades técnicas — muitas delas foram sendo debeladas — e dos diversos problemas físicos que foi apresentando, Sharapova manteve-se quase sempre entre as melhores. O seu espírito de luta e força mental foi o que sempre a colocou mais perto do patamar da maiores campeãs da história.

Sharapova ganhou muito, muito dinheiro. Milhões atrás de milhões fora do court: marcas de roupa, de relógios, de carros, de água. A sua própria marca de doces. Cachês de presença em torneios e exibições. Durante mais de uma década, ninguém andou sequer perto daquilo que a russa faturou. E nunca nenhuma desportista feminina se aproximou dos valores que Sharapova ganhou entre 2004 e 2015. Nem Serena Williams, o seu maior pesadelo e a grande responsável pelo facto de Maria não ter pelo menos o dobro do seu atual número de Grand Slams…

Maria abriu a porta para outras dezenas de desportistas femininas que se seguiram. A sua importância neste aspeto é muito subestimada e difícil de quantificar. Maria encheu estádios como muito poucas jogadoras do circuito WTA nas últimas duas décadas e deu bem mais a ganhar ao circuito do que aquilo que recebeu. Sharapova é uma das jogadoras mais importantes da história do ténis.

Sim, não vou fingir que o doping não aconteceu. O controlo positivo a Maria Sharapova, em janeiro de 2016, é uma das maiores desilusões da minha (curta) vida de fã/jornalista de ténis. Afinal, a máquina perfeita em torno da desportista… tinha muitos buracos. Como era possível que a desportista mais rica do Mundo não tivesse tido conhecimento de que um medicamento que tomava há uma década havia passado a ser proibido? A forma como o processo foi gerido pela sua equipa a partir de então foi igualmente desastrosa.

A suspensão de 15 meses por doping é uma mancha indelével na carreira de Sharapova e temo mesmo que venha a mascarar a importância que a russa de agora 32 anos tem na história da modalidade. Basta fazer uma pesquisa rápida pelas notícias publicadas nos últimos dias sobre a sua retirada e ver aquilo que é puxado para título. O que pesará mais quando ela for recordada daqui a 15 ou 20 anos? O seu legado ou um erro que quase deitou tudo por terra? Só o tempo nos poderá dizer.

Ela dizia-se imparável, mas isso acabou a 26 de fevereiro de 2020, o dia em que decidiu encerrar a sua carreira profissional. Ela não desistiu, mas cansou-se de lutar contra o seu corpo. O ténis vai senntir muito a sua falta…

 

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Apaixonei-me pelo ténis na épica final de Roland Garros 2001 entre Jennifer Capriati e a Kim Clijsters e nunca mais larguei uma modalidade que sempre me pareceu muito especial. O amor pelo jornalismo e pelo ténis foram crescendo lado a lado. Entrei para o Bola Amarela em 2008, ainda antes de ir para a faculdade, e o site nunca mais saiu da minha vida. Trabalhei no Record e desde 2018 pode também ouvir-me a comentar tudo sobre a bolinha amarela na Sport TV. Já tive a honra de fazer a cobertura 'in loco' de três dos quatro Grand Slams (só me falta a Austrália!), do ATP Masters 1000 de Madrid, das Davis Cup Finals, muitas eliminatórias portuguesas na competição e, claro, de 16 (!) edições do Estoril Open. Estou a ficar velho... Email: jose_guerra_morgado@hotmail.com