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Frederico Gil: «Continuo com o sonho de ganhar o Estoril Open muito presente»
Bola Amarela (BA): O João Sousa tem feito excelentes épocas e na última das quais alcançou até o seu segundo título da carreira e de Portugal. O que é que sentes quando o vês no court, na televisão?
Frederico Gil (FG): Sinto várias coisas. Admiração e orgulho, por ele estar a fazer o que está a fazer, que é simplesmente incrível. Às vezes mando-lhes, a ele e ao treinador Frederico Marques, uma mensagem a dar os parabéns. Mas é claro que gostava que fosse eu a estar ali. Quero ganhar torneios ATP, estar num nível mais alto, no circuito ATP. Sinto que o João é muito bom jogador e tem feito um excelente trabalho, mas também sei do meu potencial e vejo-me um jogador muito completo e com capacidades tão boas ou melhores do que ele. Portanto, tenho de trabalhar a parte mental, física, técnica e acredito que é ali onde eu posso estar. Para ser sincero, há uns anos perguntaram-me o que eu achava do João e eu respondi que o João podia chegar perfeitamente ao top 50, 60, mas dizia que não sabia se ia passar disso. Era o que eu dizia, mas o João tem superado tudo e todos. Acho que é mérito próprio, porque ele deve mesmo ver que é possível, trabalha nesse sentido e acredita. Tem sido um exemplo em muita coisa. É incrível a regularidade com que ele está a fazer as coisas, semana atrás de semana. Às vezes, não joga assim nada do outro mundo, mas tem muita regularidade. É equilibrado e tem muita força.
BA: Em termos de ranking, como projetas o próximo ano a nível nacional? Por exemplo, achas que o João Sousa vai manter-se no top 40?
FG: Acho que vai ficar por ali, sim. Pelo menos nos primeiros 50. A não ser que aconteça algo muito estranho. Tem muitos pontos a defender, mas acho que o nível dele é entre os 50 primeiros a caminhar para os 30. Tem de ser regular e estável. Se baixar um bocadinho a guarda, também rapidamente vai para entre os 50 e os 100. O nível ali também é muito ténue. Quando consegue ser agressivo e forte, o nível é claramente top 50. Ainda lhe faltam algumas coisas para subir ao top 30 ou ao top 20. Talvez mais soluções, pôr a bola a andar com mais facilidade, com mais peso. Mas isso é o trabalho deles que acho que estão a fazer.
BA: O João Sousa vai agora treinar com o Rafael Nadal na pré-temporada. Quando eras top 70 ATP, lembras-te de fazer alguns treinos com alguns jogadores de topo?
FG: Não fiz assim muitos treinos com jogadores de topo. Com o Nadal acho que nunca treinei, com o Roger Federer também nunca treinei. Joguei com ambos só. Em dezembro, a ATP abre as portas da Academia em Monte Carlo, onde o João [Sousa] fez também uma semana de treinos com o Djokovic. Gostava de ir lá fazer uma ou duas semanas de treinos, ainda este ano ou no próximo. Também gostava muito de ir à Academia do Bolletieri fazer duas ou três semanas, ou uma ou duas durante o ano. Tenho de ver também em que fase estão lá os melhores jogadores. Gostava de bater-me um bocadinho mais com os melhores quando as coisas estiverem mais consolidadas para puxar o meu nível.
BA: Dás muita importância a estes treinos com jogadores de topo?
FG: Sim, muita. Sempre me habituei a treinar em Portugal. Por um lado é bom, mas por outro é mau. Andava sempre a dizer ao João Cunha e Silva. “Fogo, andar sempre a puxar a carroça é muito duro”. Às vezes gostava que puxassem a carroça por mim e eu ia atrás (risos). Sinto muito isso cá em Portugal. Em quase todos os treinos era tudo muito puxado por mim, não era o adversário que puxava pelo treino. Mas acho que o misto é o ideal. Porque há jogadores que têm as condições todas e depois falta-lhes querer.
BA: E quando estavas no top 70, em 62.º do ranking mundial, o que achas que faltou para dares esse salto e também subires ainda mais na classificação, assim como o João Sousa está a fazer?
FG: Acho que me faltou a parte esquerda do jogo, porque sempre achei que não era tão forte como o meu lado direito. Tinha melhor esquerda do que direita, mas nunca consegui explorá-la. Fisicamente não estava no meu potencial máximo e sentia algumas dores nos pés, no corpo, e não estava preparado para jogar ao nível a que estava competir. Quando cheguei aos quartos de final de Monte Carlo [2011] estava exausto, desgraçadíssimo, porque as incertezas emocionais também influenciam a parte física. Se calhar, sentia que num ano conseguia fazer duas ou três semanas muito boas, mas depois andava ali um bocadinho a patinar ou a resolver outros problemas. Não era devidamente regular… e para estar nos 50 primeiros tem de se ter um nível regular semana sim, semana não… ou semana sim, semana sim.
BA: Então sempre sentiste que aquele lado esquerdo esteve um bocado preso…
FG: Não era bem preso. Era que não conseguia fazer grande mossa contra os melhores do mundo. A um nível mais alto não acompanhava o ritmo, tanto a nível de força de pernas como tecnicamente. Ganhei ao Monfils [Monte Carlo 2011], mas de uma forma regular não conseguia estar como queria.
BA: E desde que fizeste essas alterações técnicas e começaste a treinar com o Luís Filipe… o que é que achas que foi melhorando ao longo do tempo?
FG: Acho que nunca tive um treinador tão bom tecnicamente, ainda anteontem lhe disse isso. Se calhar não é tão organizado como o João Cunha e Silva ou como o Pedro Cartaxo, que agora também me está a ajudar e estamos a formar equipa, mas a nível técnico e de mentalidade o Luís é muito forte. Tem-me ajudado imenso na parte técnica do movimento – como pôr os ombros, como passar a mão, como passar a anca, na parte tática do jogo… É aí onde o Luís mais me tem ajudado e tem sido incansável. Tem sido também um companheiro, um amigo. Tem-me ajudado imenso no meu dia a dia.
BA: E vais manter a equipa técnica para 2016…
FG: Sim, vou manter o trabalho com o Luís. Aqui, no Lisboa Racket Centre, também estou numa fase experimental com o Pedro Cartaxo e com o Carlos Tavares, que é o preparador físico do clube. Se as coisas correrem bem vamos formar equipa em 2016. O Pedro e o Luís enquanto treinadores e o Gianni Rocha e o Carlos Tavares como preparadores físicos. Tenho também a minha psicóloga.
BA: Suponhamos que já estamos em dezembro de 2016. Que objetivos é que querias que já tivessem cumpridos?
FG: Gostava muito de terminar o ano nos 300 primeiros, porque quero começar o ano de 2017 no qualifying do Open da Austrália. É esse o meu objetivo. Sei que é possível, que vai ser muito duro, porque o meu ranking também desceu e estou agora a 744. Vou ter de jogar torneios de categorias mais baixas, como futures e talvez qualifyings de challengers. O calendário, a organização dos treinos e o descanso vão ser fundamentais… até o próprio equilíbrio com a família. Vai ser um ano para equilibrar tudo e voltar a estar regular na competição. Gostava até de entrar nos 250 primeiros para garantir logo o qualifying do Open da Austrália, mas top 300 era muito bom.
BA: São muitos os tenistas portugueses que querem jogar em torneios do Grand Slam. Falando um pouco do ténis nacional… O João Sousa, o Gastão Elias e o Frederico Silva tiveram uma excelente ponta final de 2015. Como é que vês esta evolução?
FG: O Gastão tem muito mais potencial do que aquilo que demonstra, é a minha opinião. Acho que é um campeão e tem um potencial enorme. O João fez uma excelente época, por isso, numa forma geral, vejo o ténis a evoluir imenso. Penso que ainda temos poucas referências de verdadeiras carreiras. De carreiras de top 50. Está o João agora a fazer, fiz eu um bocadinho, fez o Rui Machado outro bocadinho. Na altura deles, o João Cunha e Silva e o Nuno Marques. Claramente que estamos a ficar com umas bases e umas referências mais sólidas a nível nacional e internacional e acho que o próprio desenvolvimento da modalidade está a crescer, quer nos preparadores físicos como nos psicólogos e nos treinadores. Estamos a começar a pensar também de outra forma e sinto que o conhecimento está muito mais abrangente. Aquela mentalidade mais fechada (“lá fora é que é”) é menor e é assim mesmo. Temos de mostrar aos de lá de fora que também sabemos. Cultivo muito esse espírito, porque acho que não somos menos do que os outros, somos tão bons ou melhores. É uma questão cultural. O próprio povo, os portugueses, tem sempre uma mentalidade negativa e acho que isso depois no calor da coisa faz muita diferença, de acreditarmos ou não.
BA: Esse conhecimento de que falavas por parte das pessoas, que têm vindo a conhecer muito mais o ténis agora, passa pelo sucesso do João Sousa? Ou não?
FG: Sim, mas não só. Sinto que as Academias estão a crescer. A Academia do Felner, por exemplo. Estão a fazer um excelente trabalho. O CETO está a fazer um excelente trabalho, a Beloura…
BA: Mas porque é que achas que estão a crescer?
FG: Porque acreditam que é possível. Os próprios treinadores e dirigentes investem mais no ténis. Estamos a apanhar a geração do Bernardo Mota, João Cunha e Silva, Nuno Marques e Emanuel Couto e até mesmo do Luís Filipe. Estas gerações passadas tiveram muito bons jogadores e também passam o ténis para estas gerações mais próximas. Isto tudo faz parte do crescimento. Depois a parte empresarial também, o facto de os clubes crescerem mais, ao termos o Estoril Open, mais torneios futures… Isto ajuda as organizações a terem mais torneios e mais jogadores que jogam cá. É muito bom para nós. O Centro Nacional de Treinos também é um ponto de referência. Penso que é devido a isso que o ténis português está a crescer. A soma disto tudo mais os resultados do João, que claramente ajudam. Os meus também ajudaram, os do Rui, de todos.
BA: Falaste aí também do Estoril Open, onde já foste muito feliz em 2010, ao atingires a final. O que é que sentes quando regressas ao torneio?
FG: Gosto imenso. É um dos meus torneios de eleição. Continuo com o sonho de ganhar o Estoril Open muito presente. Sempre foi a minha grande vontade. Ainda ontem falei sobre isto com o Luís. Estávamos a jantar e a falar sobre o Estoril Open. Ele até me levou o livro de 2010 para recordar a final. O Luís perguntou-me se gostei desta edição no Estoril. Disse-lhe que adorei o torneio. Tenho saudades da prova no Jamor, claro, mas senti que era mais “clube de ténis”. No Estádio Nacional foi espetacular, mas é uma coisa maior, mais ampla, um evento diferente. Ali senti mesmo que era um torneio de ténis, num clube de ténis, com as toalhas, os balneários, tudo muito próximo. Eu gosto destes torneios que se realizam mesmo em verdadeiros clubes de ténis. Fico com pena pelo facto de o torneio não ser misto. Acho que é diferente em termos de evento, nota-se muito a diferença.
BA: Também vais tornar diferente o teu próximo ano em termos de calendário, jogar mais torneios future?
FG: A minha ideia é começar a arriscar um bocadinho mais em termos de calendário, mas vou aproveitar os torneios em Portugal para jogar. Assim que estiver bem e mais competitivo vou arriscar um bocadinho em termos de programação, porque não tenho tempo a perder. Gosto de jogar torneios maiores e sei o que se joga ali. Às vezes é mais fácil jogar nesses torneios mais fortes. A própria motivação é outra, os pontos e o dinheiro que estão em jogo. Preciso também de ter cuidado por causa da família, viagens etc… Em termos de patrocínios também estou com pouca coisa. Vou precisar de ajuda nesse sentido para poder jogar melhores torneios e investir na minha equipa. Este ano vai ser também de gestão nesse sentido, economizar aquilo que tenho para conseguir perdurar aqui mais anos.
Local da entrevista: Lisboa Racket Centre Leia a segunda parte da entrevista esta quinta-feira.
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