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Frederico Gil: «Às vezes, as pessoas acham que sou maluco»
Tendo em conta os objetivos traçados no final da época de 2014, como fazes o balanço ou como analisas a temporada de 2015?
Foi uma época um bocadinho atípica, de mudança de esquerda. Foi a primeira temporada em que joguei com a esquerda a uma mão. Os resultados não foram os melhores, mas foram bons. Ganhei um future e fui à ultima ronda do qualifying do Millennium Estoril Open. Foi onde consegui os melhores resultados. Mas foi também uma época de muito crescimento pessoal e familiar. Nasceu a minha filha, por isso foi um ano muito dedicado à minha parte pessoal, à minha família. Mas agora em 2016 vou atacar novamente a parte profissional. Espero voltar a estar mais para cima no ranking no próximo ano. Senti também que foi um 2015 de mais sossego, de levar as coisas com um bocadinho mais de calma.
Falaste aí na mudança de esquerda. Muita gente diz que não foi a melhor altura para mudares de esquerda a duas mãos para esquerda a uma mão. O que te levou a fazeres essa escolha?
Já tinha essa vontade há alguns anos, mas não tinha tido a coragem de seguir em frente. Achava que seria difícil e nunca me incentivaram a fazê-lo. Sempre que falava nisso, cortavam-me sempre a ideia. “Nunca é altura, não faças isso, acho que não é por aí”. Os meus treinadores falaram sempre um bocadinho assim.
E quem é que te deu esse incentivo?
Quem mais me ajudou e quem me tem ajudado é o Luís Filipe, o meu treinador. Foi uma daquelas pessoas que disseram “bem, se é isso que tu queres, vamos lá, eu ajudo”. E ajudou-me muito na parte técnica. Tenho trabalhado as duas, tanto a esquerda a duas mãos como a uma, e sinto que o meu jogo está a ficar bom, estou a gostar. Por isso, agora o próximo passo é competir e voltar a estar com força. Às vezes, mais do que ser a uma ou a duas mãos é a própria atitude que se coloca no movimento, consoante a bola, o adversário. Tudo muda muito. Acabo por ficar com mais soluções no meu jogo e depois tenho é de saber utilizá-las no momento certo, por isso é que é mais difícil do que a parte técnica.
Tiveste alguns problemas de saúde [doença bipolar]. Achas que estas mudanças também foram devido a isso, porque precisavas de mudar algo para te sentires melhor?
Acho que está tudo interligado. Não me estava a sentir muito bem com o ténis, com a carreira, estava um bocado triste e cansado de viajar. Sentia que também não conseguia dedicar-me à minha vida pessoal. Sempre quis ser pai de família, ter uma família grande e senti também que era só ténis, só torneios, só viagens. O ideal é ser realizado em todos os níveis. Nos próximos anos, vou dedicar-me ao ténis para estar equilibrado no campo, tendo a vida pessoal estável e resolvida. Temos de ser felizes acima de tudo. Não é que não fosse, mas, de facto, não era tão feliz antigamente como sou hoje.
Não eras muito feliz antigamente?
Não, não considero. Era feliz em alguns momentos, mas procurava sempre a felicidade em coisas externas e não nas internas. Vejo que aprendi muita coisa nestes últimos tempos e que agora também quero pôr em prática tudo aquilo que aprendi e que vou aprendendo, porque sinto que tenho ainda vontade e força para fazê-lo, quer no ténis quer fora do campo.
Se não tivesses tido estes problemas de saúde, achas que conseguirias chegar mais longe no ranking ou ter melhores resultados? Ou não está relacionado com isso?
As coisas acontecem por alguma razão. Acho que por um lado sim. Se estivesse mais estável nos últimos anos teria conseguido estar melhor profissionalmente, mas só cheguei onde cheguei porque não estava a fazer as coisas o mais corretamente possível. Aconteceu o que tinha de acontecer. Houve uma série de fatores psicológicos, emocionais e familiares. Acabo também por ser uma pessoa com uma sensibilidade acima da média e por sentir e viver as coisas um bocadinho mais intensamente do que, se calhar, outras pessoas. Mas isto faz parte. A base é estar bem, estar feliz com o que estou a fazer. Muitas vezes fazia as coisas por trabalho, mas não me sentia feliz nem realizado. Só às vezes quando conseguia grandes resultados é que encontrava um bocadinho essa felicidade.
Hoje em dia sentes que tens mais apoio das pessoas, de quem te acompanha? Ou achas que muita gente já não acredita em ti?
Depende. Sinto algum apoio, mas também sinto que algumas pessoas não me percebem bem. Às vezes, acham que sou maluco, mas outras vezes não percebem bem. Nem eu próprio, às vezes, percebo. Sinto que tenho amigos e pessoas que gostam de mim. Sinto-me mais humano nesse sentido, mesmo com a família e treinadores. Tomava muitas decisões pouco pensadas e pouco sentidas. Estraguei muitas coisas e magoei muita gente sem querer, sem ter essa consciência. Tem sido um crescimento muito grande a nível interno. Sinto-me numa fase de mudança e agora quero pôr as coisas no sítio, porque isso reflete-se no meu jogo. Sentia que já tinha feito muito, mas que não estava completo.
Antes proibia-me de ter namoradas, de abrir o coração. Achava que o desporto de alta competição e um relacionamento amoroso eram incompatíveis. Sentia que se o fizesse iria amolecer e estragar o meu ténis. Achava que tinha de ter só o treino, de ler o livro, de só ver o filme, não podia desconcentrar-me. Era um robô. Tinha resultados, é certo, mas às vezes estava no quarto de hotel, ou a ver um filme, e não me apetecia estar ali. Mas forçava-me a estar porque queria muito chegar aos 100 ou aos 80 primeiros, por isso achava que era assim, daquela maneira. Uma maneira de estar na qual não me revejo hoje em dia.
Devia ser angustiante sentir isso e não conseguir reagir…
Pensava que era normal. Mesmo o João Carvalho ou o João Cunha e Silva falavam comigo e diziam: “Fogo, só consegues ter bons resultados quando rompes com alguém, ou com um treinador”. E eu respondia: “Sim, porque assim é que sentia que tinha razão e conseguia ir em frente com aquilo que penso”. Mas depois, passada uma semana, estava muito arrependido daquilo que tinha feito, porque tinha trabalhado e depois tinha mandado tudo à vida. Andava sempre para trás e para a frente, começo, não começo… E às tantas esgotei, fiquei muito cansado da própria vida que estava a levar e as próprias pessoas já não sabiam se eu queria ou não. Eu às vezes também não sei quem sou, é muito estranho, foi (e às vezes ainda é) uma fase um bocado complicada.
Sempre disseste que ainda querias voltar ao nível em que estiveste antes. Esse continua a ser um dos principais objetivos?
Sinto que ainda não está feito o que sempre sonhei, que é estar nos primeiros cinquenta do mundo. Sempre senti que isso era possível e que estava ao meu alcance. Com bons treinadores e uma boa equipa sinto que é possível. Ainda não o consegui, o meu máximo foi chegar a 62.º do ranking, mas para isso continuo a trabalhar. Nestes próximos cinco, seis anos quero aproveitar bem o final da minha carreira e acabar em alta, para sair forte da minha carreira profissional como jogador. Depois mais para a frente quero ser treinador, mas quero acabar bem a minha carreira de tenista.
E planeias jogar mais cinco, seis anos, até aos 35, 36 anos?
Sim, planeio jogar até onde me sentir com força e vontade de concretizar os meus objetivos, porque adoro jogar. Uma coisa que já não sentia foi que voltei a amar o ténis. Houve aqui um momento em que já não me apetecia treinar nem competir, porque estava mesmo triste com as coisas todas, mas agora voltei a apaixonar-me pelo ténis e adoro. Tenho treinado imenso, três, quatro, cinco, seis horas por dia e estou muito motivado. Pareço uma criança, que está a começar tudo de novo. E sinto que esta força é o que me vai fazer também, juntamente com trabalho disciplinado, chegar onde quis chegar.
Não leu a primeira parte da entrevista? Espreite aqui. Local da entrevista: Lisboa Racket Centre
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